Releitura da pintura de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, esculpida em lâmina de alumínio com a técnica da Metaloplastia, mede 29cm x 42cm. Autor: Antonio Montibeller.
O autor do ícone de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro,
exposto à visitação dos fiéis na igreja de Santo Afonso de Ligório, em Roma,
permanece desconhecido até nossos dias. Segundo a tradição da Igreja o artista
que pintou a imagem da Virgem do Perpétuo Socorro inspirou-se em um ícone
atribuído a São Lucas. Além de médico, homem culto e letrado, o Evangelista foi
provavelmente um dos primeiros iconógrafos da história da Igreja. Segundo
antiga tradição, São Lucas teria pintado ícones de Jesus Cristo, da Virgem
Maria, de São Pedro e São Paulo. Há pinturas atribuídas a ele que existem até
hoje, como é o caso dos ícones da "Theotokos de Vladimir" e de
"Nossa Senhora de Czenstochowa".
A veneração dos ícones sagrados esteve presente na Igreja
desde os primórdios do cristianismo. As imagens de Jesus Cristo, de Nossa
Senhora, dos outros santos e dos anjos fazem parte da tradição bimilenar da
Igreja Católica. No II Concílio de Niceia, em 787, o Magistério da Igreja
"justificou, contra os iconoclastas, o culto dos ícones: dos de Cristo, e
também dos da Mãe de Deus, dos anjos e de todos os santos. Encarnando, o Filho
de Deus inaugurou uma nova 'economia' das imagens".
No início do século XVI, surgiram entre os protestantes
"novos iconoclastas" e, a exemplo do que aconteceu no passado, em
nome da fidelidade às Sagradas Escrituras, nossas imagens sagradas foram
quebradas e nossas igrejas terminaram invadidas, depredadas e queimadas. Este
fato fez com que o culto às imagens sagradas fosse perdendo a sua força em
muitas comunidades, ao passo que, com a tradução da Bíblia do latim para as
mais diversas línguas, o culto às Escrituras ganhou cada vez mais força. Essa
tendência se tornou ainda mais forte quando, por conta de um falso ecumenismo,
passou-se a suprimir as imagens das igrejas e das casas.
Em tempos de iconoclastia entre os cristãos, o ícone de
Nossa Senhora do Perpétuo Socorro parece ser para nós como que um sinal dos
céus para que voltemos às nossas origens.
No final do século XV, um negociante roubou a imagem de Nossa
Senhora do Perpétuo Socorro do altar onde estava, na ilha de Creta, onde era
venerada pelo povo cristão. O mercador viajou com o ícone, de navio, para Roma
e escapou milagrosamente de uma tormenta em alto-mar. Já na Cidade Eterna, ele
adoeceu gravemente e, por isso, procurou a ajuda de um amigo. No seu leito de
morte, o comerciante, arrependido, contou ao amigo que roubou o quadro e pediu
a ele que o devolvesse a uma igreja. Este prometeu devolver a obra de arte
sacra, mas depois mudou de ideia e morreu, sem ter cumprido a promessa feita ao
amigo comerciante.
Para que se cumprissem os desígnios divinos, a Santíssima
Virgem Maria apareceu a uma menina de seis anos, familiar de quem portava o
ícone, e "mandou-lhe dizer à mãe e à avó que o quadro devia ser colocado
na Igreja de São Mateus Apóstolo, situada entre as basílicas de Santa Maria
Maior e São João Latrão, sob o título de Perpétuo Socorro" [3]. Em
obediência, o ícone foi devolvido e exposto na igreja de São Mateus em 27 de
março de 1499. A partir do século XVI, a devoção começou a se divulgar em toda
Roma e, anos mais tarde, pelo mundo inteiro. Nessa igreja, a imagem foi
venerada durante os 300 anos seguintes. Em 1798, a igreja de São Mateus foi
destruída e a imagem foi retirada a tempo, mas ficou quase que esquecida. Até
que, em 26 de abril de 1866, o ícone foi entronizado na Igreja de Santo Afonso,
onde permanece até hoje.
No ícone de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, temos alguns
simbolismos que se fazem presentes no Evangelho segundo São Lucas.
O ícone da Virgem do Perpétuo Socorro.
Na imagem, vemos a mão direita de Maria apontando para seu
Filho e no Evangelho temos várias passagens que apontam para Jesus como o
Messias esperado pelo Povo de Israel: "O ente santo que nascer de ti será
chamado Filho de Deus" (Lc 1, 35b); "Minha alma glorifica ao Senhor,
meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador" (Lc 1, 46b-47);
"Eis aqui a serva do Senhor" (Lc 1, 38a); "E tu, menino, serás
chamado profeta do Altíssimo, porque precederás o Senhor e lhe prepararás o
caminho" (Lc 1, 76). Naquele tempo, raramente alguém tinha um livro das
Sagradas Escrituras. Possuir uma passagem da Escritura era também muito raro.
Por isso, como já dissemos, os primeiros discípulos de Cristo olhavam para os
ícones, nas casas das poucas pessoas que os possuíam, e neles "liam"
os textos sagrados.
Entre os simbolismos presentes na imagem de Nossa Senhora do
Perpétuo Socorro, talvez o teologicamente mais rico e espiritualmente mais
significativo seja o retrato do Calvário. Ao contemplar a Virgem do Perpétuo
Socorro, vemos à sua esquerda o arcanjo São Miguel, que apresenta a lança, a
vara com a esponja e o cálice das amarguras que o Cristo sorveu até o fim. À
direita, está o arcanjo São Gabriel, com a cruz e os cravos, que foram os
instrumentos da paixão e morte de Jesus. O Menino Jesus, o Perpétuo Socorro em
pessoa, assustado ao olhar para os instrumentos de Sua paixão, com as duas
mãos, segura firmemente a mão direita de sua Mãe, como que nos ensinando a
confiar-nos inteiramente a ela, especialmente nos momentos de medo, dor e
sofrimento.
Para completar a nossa "leitura" do ícone, na
perspectiva do mistério pascal de Cristo, podemos olhar para Maria como a
Virgem das Dores. A sua mão esquerda, que sustenta o Filho, simboliza a sua
presença aos pés da cruz (cf. Jo 19, 25). O seu olhar materno, ao mesmo tempo
que demonstra o acolhimento e o cuidado para com cada um de nós, que fomos
entregues a ela como filhos, é um convite para que a levemos para o que é
nosso, ou seja, para a nossa vida interior, como fez o discípulo amado (cf. Jo
19, 27).
Um detalhe do ícone, que pode passar despercebido, é a
sandália desamarrada, que pode simbolizar um pecador, preso a Jesus apenas por
um fio, fio este que é a devoção a Santíssima Virgem. Este "fio" tão
frágil pode ser uma lembrança, ou uma devoção sem muita piedade, que num
momento de desespero, de sofrimento, pode nos manter unidos ao Senhor. Vemos
uma imagem disto naquela que é provavelmente a mais conhecida e bela parábola
de Jesus, presente somente no Evangelho escrito por Lucas: a parábola do filho
pródigo. Depois de deixar a casa do pai e de gastar toda a sua fortuna numa
vida desenfreada, o filho esbanjador estava na situação humilhante de cuidar de
porcos. Para os judeus que ouviram de Jesus esta parábola, cuidar de porcos era
ainda mais humilhante, porque eles os consideravam animais impuros. Para
completar a humilhação, o rapaz, faminto, queria comer a comida dos porcos, mas
nem isso lhe era dado para comer (cf. Lc 15, 11-16). Foi então que ele entrou
em si, refletiu, recordou-se que na casa de seu pai até mesmo os empregados
tinham pão em abundância e tomou a decisão de voltar (cf. Lc 15, 17-18). Da
mesma forma, um pecador pode voltar para Jesus e se salvar pela simples devoção
que tem à Virgem Maria, ou até mesmo por uma vaga lembrança do amor que nutre
por ela.
Nas passagens do Evangelho que falam dos dois ladrões,
crucificados à direita e à esquerda de Jesus, há aparentemente uma contradição,
que pode nos ajudar a aprofundar nossa reflexão. Em Mateus e Marcos, ambos
escarneciam de Jesus: "E os ladrões, crucificados com ele, também o
ultrajavam" (Mt 27, 44; cf. Mc 15, 32). Mas, em Lucas, apenas um dos
malfeitores blasfemava (cf. Lc 23, 39). O outro, que segundo a tradição se
chamava Dimas, não somente repreendeu o outro ladrão, mas também reconheceu que
para eles aquela condenação era justa, mas não para Jesus, pois não tinha feito
mal algum (cf. 23, 40-41). A razão desta aparente contradição é que, segundo
uma visão da mística Beata Anna Catharina Emmerich, a princípio, ambos
escarneciam do Cristo, até que algo inesperado aconteceu:
"Dimas, o bom ladrão, obteve pela oração de Jesus uma
iluminação interior, no momento em que a Santíssima Virgem se aproximou.
Reconheceu em Jesus e em Maria as pessoas que o tinham curado [da lepra] quando
era criança e exclamou em voz forte e distinta: 'O quê? É possível que
insulteis Àquele que reza por vós? Ele se cala, sofre com paciência, reza por
vós e vós o cobris de escárnio? Ele é um profeta, é nosso rei, é o Filho de
Deus'".
Naquele momento derradeiro de sua vida terrena, São Dimas
recebeu a graça de recordar de Jesus e de sua Mãe. A partir dessa lembrança de
sua infância, começou o extraordinário processo de conversão do bom ladrão, que
culminou no seu ousado pedido: "Jesus, lembra-te de mim, quando tiveres
entrado no teu Reino!" (Lc 23, 42). A salvação de São Dimas estava por um
"fio", que era a vaga recordação de uma cura, operada pelas mãos do
Menino Jesus e de Maria. Dessa forma, quase no último momento de sua vida, o
bom ladrão "roubou" o Céu, a salvação eterna.
Ainda que nossa situação seja semelhante à do filho pródigo,
ou como a do bom ladrão, e nossa vida esteja unida a Cristo apenas por um
"fio", entreguemo-nos com confiança à Virgem das Dores, que nos foi
dada, pelo próprio Filho, por Mãe (cf. Jo 19, 27). Assim, da mesma forma que a
Mãe de Deus contribuiu para a cura e a salvação de São Dimas, ela nos alcançará
os bens necessários para a nossa vida terrena e principalmente para chegarmos à
glória celeste.
Fonte: https://padrepauloricardo.org/blog/o-pintor-da-virgem-do-perpetuo-socorro. Equipe Christo Nihil Preaponere.